“Lembro a primeira vez em que vi o Jeff tocar. Foi depois de saber que ele tinha conseguido o emprego (no Yardbirds). Entrei escondido em um show – você ainda estava no Tridents, tinha o cabelo até aqui – e todo aquele eco maldito em sua guitarra. Pensei ‘Será que eles sabem no que estão se metendo?’” – (Eric Clapton sobre Jeff Beck na Rolling Stone)

Se Deus está dizendo algo assim, quem somos nós, reles mortais, para discutir…

Tenho que admitir que comecei a conhecer o trabalho do Jeff Beck esse ano. Meu grande tio Clemente (responsável também por me apresentar Stanley Clark e Eric Clapton) foi visitar meu pai que estava doente e ao dar uma carona, ele me emprestou o DVD “Jeff Beck Performing this week… Live at Ronnie Scott’s”. Um ou dois dias depois eu coloquei no meu DVD para ouvir enquanto trabalhava e a palavra mais justa para resumir o que rolou na hora: “Fodeu!”… Fiquei abismado com a maneira como ele trata a guitarra… Cresci ouvindo alguns virtuoses que sempre diziam serem fãs de Jeff, além dos ex-Yardbirds Clapton e Page, mas nunca havia dado a devida atenção ao Beck. Nessas horas que você entende a palavra “arrependimento” na sua plenitude.

Ao ler críticas sobre o DVD, em algumas delas diziam ser o melhor registro filmado da carreira dele. Como sou “calouro”, não posso afirmar o mesmo, mas a qualidade sonora, takes, banda (nada menos que Vinnie Colaiuta e a deliciosa e talentosa Tal Wikenfeld, ambos destruindo tudo ao lado de Jason Rebello nas teclas) e participações (Imogen Heap cantando “Rollin’ and Tumblin’” e outros sons, Joss Stone dando seu toque em “People get Ready”, e claro, Eric Clapton tocando e cantando 2 sons: “Little Brown Bird” e “You need love”). Eu classificaria esse DVD tão obrigatório quanto o “Live at Woodstock” do Hendrix, ou ainda “The song remains the Same” do Led Zeppelin. Não apenas para guitarristas / músicos, mas para quem aprecia uma ótima música. E para minha sorte, logo após decorar esse DVD, veio a notícia do show em São Paulo… Não poderia perder de jeito nenhum…

O show estava agendado antes ainda da confirmação do Paul McCartney e acabaram sendo em datas próximas. Quem leu meu post sobre o show do Paul McCartney sabe que realmente é complicado de se competir. Ainda assim, sabia que mesmo com a euforia do show, iria me arrepender se não fosse. Acabei deixando para última hora para comprar o ingresso, o que me custou um “sold out” da Pista Premium. Ainda assim, tive uma ótima visão do palco.

Burocracias à parte do sistema do Via Funchal (só faltaram pedir exame de fezes para um camarada que iria pagar meia-entrada mesmo com carteirinha e comprovante de pagamento da faculdade – e ainda assim não conseguiu), o atendimento dos funcionários é bem legal mesmo estando na chuvinha chata que caía na cabeça dos seguranças. Já na chegada vi o grande Faíska adentrando a casa. Esta aí um cara que tinha certeza que não faltaria nesse show. Cheguei cedo ao local e fiquei aguardando os 3 camaradas que encontraria para presenciar o espetáculo. Nesse meio-tempo, o repertório foi bem escolhido para fazer ambiente: Chuck Berry, James Brown, Fleetwood Mac, e uma renca de coisa boa. Eis que chegaram Kalil, companheiro de banda Chevy69, e Danny-boy, guitarrero sempre presente nos shows da banda e gente boníssima. Paulo Barboza, meu irmão adotivo por parte de Evolution, chegou um pouco depois.

Batemos um papo, acertamo-nos na pista e fomos informados que “a pedido do artista o show não seria exibido no telão”. Conforme disse Kalil: “o bicho é marrento!”. Sempre ouvi comentários sobre a personalidade dele e foi comprovado nesse momento.

Com cerca de 20 minutos de atraso, Jeff Beck no palco, acompanhado pelo baterista Narada Michal Walden, o tecladista Jason Rebello (mesmo do DVD) e a baixista e vocalista Rhonda Smith, que já se apresentou ao lado de ninguém menos que Prince. Showzaço garantido… Era só ouvir a música “Plan B” de saída que isso estava comprovado!

“Stratus” foi a segunda música, seguida de um dos meus temas instrumentais favoritos, “Led Boots”. Nessa, Beck chamava a galera para alternar um “hey!!!” entre os riffs. Carisma puro do mais clássico guitar hero na face da Terra.

A partir daí, até quem não era músico estava envolvido no show e preparado para o que vinha: “Corpus Christi Carol”, linda canção cantada pelo talentoso (e infelizmente falecido) Jeff Buckley, “Hammerhead”, “Mna Na Eireann” e então um espaço para Rhonda Smith “comer com farinha” o contrabaixo por cerca de 5 insanos minutos de quebradeira. Com a galera embasbacada com a técnica da baixista, Jeff já emenda no repertório “People get ready”, talvez sua canção (ou versão, se utilzado o termo correto) mais mainstream. Todos no Via Funchal pararam para atentamente curtir e cantarolar o riff tão marcante e belo. Até achava que Rhonda cantaria a música, mas as notas eram todas produzidas por Beck, que sabe melhor do que ninguém fazer uma guitarra literalmente falar. “You never know” foi a seguinte, fusion de primeira. A sequência foi “Rollin’ n’ Tumblin’”, cover de Muddy Waters com Rhonda Smith soltando o gogó, “Big Block”, “Somewhere Over The Rainbow”, “Blast From The East”, “Angel” (uma linda balada, diga-se de passagem), “Dirty Mind”, “Brush With The Blues”, e para fechar, a perfeita versão de “A Day in the Life”, gravada originalmente no CD de despedida de George Martin (produtor dos Beatles e com quem Jeff trabalhou em 2 grandes CDs: “Blow by Blow” e “Wired”). O jogo de luzes no final da música foi tão bonito quanto grandioso, tal qual o peso que ele consegue colocar no desfecho da canção!

Aplausos e mais aplausos… Um breve agradecimento… Uma pequena pausa… E claro, o bis…

“I want to take you higher” de Sly & the Family Stone agita a galera e põe o pessoal pra dar aquela dançadinha de leve. Uma homenagem a Les Paul com a música “How high”, na qual para a surpresa de muitos, ele troca a guita por uma Gibson Les Paul para tocar o som. Por último, um som do seu último álbum “Emotion & Commotion”, “Nessun Dorma”. Fiquei esperando um “Cause we’ve ended as lovers”, ou mesmo “Scatterbrain”, mas não foi dessa vez…

Com uma simpatia inesperada (afinal, não é todo artista que encana com o telão), Jeff vai ao microfone, apresenta a (fantástica) banda e diz que adorou tocar pela primeira vez em São Paulo (da última vez, ele esteve no Free Jazz Festival em 1998 no Rio de Janeiro).

O show foi até curto (cerca de 2 horas) se analisarmos que foram quase 20 músicas. No entanto, se você já esteve em algum show de guitarristas como Vai, Satriani e outros, vai entender que é complicado fazer um show onde a atenção do público se mantém mesmo sem conhecer a maioria das músicas. Talvez pela estrada de Jeff Beck nos seus 66 anos de vida isso seja natural para ele. A conclusão que posso chegar de tudo isso é que, como guitarrista, vi uma das maiores lendas da história das 6 cordas, um excepcional músico que deixa sua marca onde quer que haja um registro do seu som, provando ser sutil porém característico, como um gênio normalmente é.

Se você ainda não conhece o Jeff Beck, compre o DVD citado e comece a sua jornada… Tenha certeza: você não vai se arrepender…